domingo, julho 15, 2007

Jogos de Azar

Seria mais uma daquelas tardes quentes e entediantes em que você entra no ônibus e não consegue se concentrar em mais nada a não ser a paisagem corrida, o trânsito, e na pessoa sentada ao seu lado que está com um montante considerável de sacolas. Não a culpe, você já deve ter entrado num ônibus cheio de sacolas nas mãos e fez um bocado de pessoas pensar a mesma coisa que você pensaria, dentre elas, uma série de palavras de baixo calão.
Desci do ônibus driblando as inúmeras sacolas. Poderia ter descido alguns pontos adiante, mas preferi andar pelo centro até o local onde encotnraria uma amiga. Várias pessoas, prédios, carros, vendedores, limpadores e, é claro, o perigo constante de que algo de muito ruim que pode acontecer ou a sorte de algo muito bom. O centro das cidades são cheios de surpresas. Desde alguém que você encontra lá por acaso uma vez que a cidade possui milhões de habitante ou quando alguém pára do seu lado inocentemente e diz não tão inocentemente: "É um assalto..."
Mas para que medo? Sigamos em frente. E segui.
Parei numa banca para comprar um chocolate e um homem parou ao meu lado. Era grisalho, roupas comuns e um jornal debaixo do braço direito. Pensei "não pode ser um assalto".
"Rapaz" disse ele "devo te dizer uma coisa"
Levantei as sombrancelhas, olhei pro lado e dei aquele sorriso desconcertado que não diz nada. Aquele sorriso que você dá quando não quer que aquela conversa continue. Aquele que está mais para um "Dane-se!" do que para um "Sim, de fato, continue argumentando pois estou tremendamente interessado". Infelizmente, o senhor com o jornal debaixo do braço direito assumiu a segunda opção. Colocou o jornal debaixo do outro braço, esticou o braço direito em direção ao meu ombro esquerdo.
"Doido" pensei. Com a mão colocada encima do meu ombro ele disse:
"Vou te dizer"
"Varrido" continuei pensando. O sorriso ainda estava lá, porém misturado com os olhos que só exprimiam dúvidas e contrangimento.
"...que..." continuou
"vou sair correndo..." ainda pensei
"...você..."
"Deus do céu! De onde veio esse cara?"
"...terá..."
"Ai! Ai!"
"...o dia mais sortudo de sua vida!"
"O quê?" pensei
"Boa tarde" disse ele e saiu, sumindo em meio à multidão.
"Boa..." disse.
Continuei andando e pensando. Ora, por que motivos alguém diria isso para outro sendo este um desconhecido?
Fui de encontro à minha amiga. Conversamos, comemos, rimos e depois fomos ao cinema.
Depois, numa praça do centro, contei o caso à ela.
"Você está tendo um dia de sorte afinal?" perguntou ela.
"Não necessariamente" respondi e continuei "Quero dizer, não tive grandes descobertas hoje. Não achei dinheiro no chão, não conheci a mulher da minha vida, não ganhei nenhum estatus político nem descobri o segredo para se ter orgamos múltiplos"
"O segredo não está nas "quantas" e sim no "como" "
"Estamos falando de sexo ou de política?"
"Não importa. Afinal, foi um dia de sorte ou não?"
"Foi uma sorte encontrá-la! Fazia tempo que não nos víamos" respondi.
"Claro! Talvez a sorte esteja aí, nessas coisas!" disse ela.
"Talvez... Mas por que raios ele falou aquilo pra mim?"
"Você só teve a sorte de encontrá-lo naquela hora, só isso. Se tivesse descido algumas paradas adiante não o teria visto e nós nem estaríamos tendo esta conversa. Você teria chegado muito cedo onde nos encontrariámos e ficaria esperando um bocado. Eu chegaria cinco minutos atrasada, mas você ficaria furioso porque já estava lá havia um tempo. Na hora de pagar a conta, você não teria dinheiro trocado para ajudar o caixa porque não havia parado para comprar aquele chocolate no lugar onde encontrou o velho. O caixa olharia torto para você e você perguntaria se eu tenho algum trocado para lhe ajudar, fazendo com que eu revirasse minha bolsa em busca de algumas moedas perdidas por lá"
Fiquei pensando perplexo por alguns minutos até que falei:
"Você tem razão. Sorte não é só sorte em si. É tudo uma grande ironia"
"A ironia da sorte" disse ela "Nunca saberemos se isso realmente aconteceria. Sabemos que aconteceu. Um velho maluco te parou e disse que você teria um dia de sorte. Por que está olhando pra cima?"
"Os pombos. Quero ter certeza de que não terei a sorte de ser acertado por um deles, se é que me entende" disse.
"Entendo. Vamos. Antes que escureça e os pombos virem morcegos" disse ela já levantando.
"Tem razão" fomos saindo da praça que apresentava uma bela luz dum Sol que já se punha ao longe "Com relação aos orgasmos múltiplos" relembrei.
"O que tem eles?" indagou sem demosntrar muito interesse.
"Venho trabalhando nisso há um tempo e acho que já consegui atingir a metade do segundo simultaneamente..."
"Sortudo você, não?" disse ela com um sorriso irônico.
E fomos em frente...


Ouvindo "Basin Street Blues" com Louis Armstrong...