terça-feira, agosto 28, 2007

Rituais Modernos

Era um dia ensolarado e ele saiu de casa ciente de que teria um dia bom.
Andou até o ponto de ônibus até confirmar que suas previsões começavam a dar errado.
Ver o ônibus passando por ele numa velocidade sem igual, não dando tempo para que ele corresse e entrasse, trouxe uma sensação de impotência bastante perturbadora. Mas o pior ainda estava por vir. Meia hora depois de esperar debaixo daquele Sol que começou aconchegante e terminou irritante (esquecera de passar o desodorante) o novo ônibus chegou, consideravelmente cheio. Era parte do cotidiano, já não mais se estressava com esse tipo de coisa. Simplesmente respirou fundo e torceu para que o trânsito estivesse livre, o que, é claro, ele não teria esse privilégio, não aconteceu.
Chegou meia hora atrasado no trabalho, o que o levou a encurtar seu intervalo em meia hora, o que o levou a ir tomar um lanche, salgado gorduroso e um refrigerante, num local mais barato e mais próximo do seu prédio, o que o levou a encontrar sua namorada sentada numa mesa conversando com um rapaz de boa aparência.
"Oi" acenou
"Ah... Oi!" disse ela sem poder esconder o desconcerto "Nós estávamos, bem, estávamos aqui tomando um café, você não devia estar trabalhando?"
Ele pôde perceber algo estranho, qualquer um perceberia. Não duvidaria se o próprio caixa da lanchonete não tivesse percebido que algo estranho estava acontecendo ali.
"Tive de encurtar meu intervalo. Creio que ainda não fomos apresentados." disse colocando a lata de refrigerante na mesa e limpando a mão gordurosa num guardanapo que não satisfaria muitos vigilantes sanitários que estivessem de passagem.
"Esse é o... Namorado da Sandrinha" disse ela parecendo ainda mais desconcertada.
"Ex-namorado" deixou ele bem explícito "Ele ainda não sabe?"
"Há algo que deva saber?" perguntou desconfiado.
Claro que havia algo acontecendo ali. Há um tempo já havia reparado que sua relação não corria assim tão bem. Frases como "agora não" ou "pode ficar pra outro dia?" entregavam toda a situação. Não que ele ficasse totalmente abalado com isso, esperava que isso, cedo ou tarde iria acontecer. Se ela não o fizesse, ele o faria sem problemas depois de muitas divagações, crises existenciais e desculpas esfarrapadas, que ele sabia que eram, mas mesmo assim consideravam-nas oportunas.
No entanto, havia algo de muito particular em terminar uma relação dentro de uma lanchonete a qual ele pouco (ou nunca?) ia.
"Vem, preciso falar com você" disse ela levantando "Você espera aqui" concluiu com um olhar de reprovação para o rapaz.
Lá fora.
"O quê?" disse ele mais do que exaltado.
"Já tem um tempo. Eu não posso mais esconder de você" disse ela.
"Mas... Mas... A Sandrinha" ainda exaltado.
"Desculpe" disse ela baixando os olhos.
"Mas e o namorado...?"
"Ex" interrompeu ela.
"Que seja! Ele ficou sabendo hoje também?"
"Não... A Sandrinha contou há uma semana e ele veio falar comigo hoje" respondeu ela.
"E pelo jeito eu ia ser o último a saber" ainda exaltado, com um belo ar de indignação. A lata de refrigerante ainda na mão.
"Eu ia te contar! Só não sabia como... Fiquei com medo da sua reação" disse ela ainda olhando para o chão.
"Vou te mostrar minha reação" virou, parou um senhor que vinha pela calçada e disse "Minha namorada acabou de me trocar por uma garota, o que você faria?"
Assustado, mas achando tudo aquilo engraçado, o velho disse "Daria um tiro na cadela!" e continuou pela calçada.
"Essa era a resposta que queria ouvir. Idosos são sábios."
Entrou na lanchonete. Ela ficou parada lá fora, sentada na calçada.
Ele sentou na frente do rapaz.
"Difícil acreditar, não?" disse o rapaz com um sorriso irônico nos lábios.
"Qual foi a primeira coisa que você pensou quando desocbriu?" perguntou ele.
"Atirar nas duas" disse "Mas daí pensei nas conseqüências"
"Malditas conseqüências..."
"Fiquei pensando" disse o rapaz "O que a gente fez de errado? Você sabe... Por que elas preferiram elas mesmas a nós?"
"Talvez..." começou seu raciocínio, mas hesitou. Estaria preparado para dividir algumas de suas conclusões mais profundas e secretas com um estranho? "Talvez, somente uma mulher saiba o que a outra quer. Sabe? Toques, carícias, essas coisas. Talvez nós não façamos tão bem quanto elas, uma vez que nós não temos, você sabe..."
"Uma vagina?" perguntou o rapaz num tom que ecoou pela lanchonete trazendo olhares interessados e constrangidos à mesa.
"Isso" concordou ele, como se o outro tivesse bolado todo o raciocínio.
"Sabe que já pensei nisso antes?" disse o rapaz
"Não brinca?"
"Já sim! E faz muito sentido. É como a gente! Se você parar pra pensar: só nós sabemos como nos satisfazer. Só nós sabemos realmente como manejar nosso... Você sabe..."
"Pênis?" disse ele dessa vez, trazendo novos olhares à mesa.
Um silêncio quase que medonho se abateu sobre a mesa. Um olhando pro outro.
Pensamentos.
Estavam prestes a chegar à uma conclusão, se já não haviam chegado que: a) agradaria ambos b) desagradaria um, mas agradaria outro ou c) desagradaria a ambos.
"Está pensando a mesma coisa que eu?" disse o rapaz.
"Espero que não" disse ele.
Novo silêncio.
"Mas é claro" disse o rapaz "que nada se compara à uma mulher fazendo isso"
"Sim! É claro" concordou aliviado, levando a crer que a alternativa "c" fora escolhida pelo destino "No começo, elas podem até ser um pouco desajeitadas, mas com o tempo vão pegando o jeito"
"E bota jeito nisso" disse o rapaz dando aquela risada infantil que tanto irrita quanto encanta algumas mulheres.
Saíram rindo da lanchonete.
Ela ainda estava na calçada.
"Está tudo bem?" disse ele.
"Eu é que pergunto" disse ela espantanda ao se deparar com os dois.
"Chegamos a essa conclusão" disse o rapaz "não podemos impedir as pessoas de fazer aquilo que acham melhor para elas"
"Então está tudo bem?"
"Sim! É claro!" disseram os dois calmamente.
"Qualquer dia liguem pra gente para saírmos e fazermos qualquer coisa juntos, como amigos, é claro"
"Sim! Sim" disse ela desconcertada "Por que não?"
"Preciso ir! Lá se foi minha meia hora de almoço!" disse ele.
"A gente se fala!" disse o rapaz.
"Tchau" disse ela sem receber resposta, apesar de querer uma.
No quarto.
"E eles levaram assim numa boa?"
"Sim! Meu ex discutiu um pouco no começo, mas depois que eles conversaram, aceitaram sem problemas"
"Menos mal! A gente achou que seria bem pior."
"Tem razão"
"Bom, vou tomar um banho, você vem?"
"Já vou, preciso guardar umas coisas"
"Tudo bem..."
Ficou sentanda na cama. A aceitação foi rápida demais?
O que teria acontecido? Sobre o que eles falaram?
Deitou na cama. Algo estava errado.
Por que ele teria aceito asim tão fácil?
Tinha ela feito algo de errado para que ele aceitasse o fim assim tão rápido?
O que seria?
Iria para o banho, mas teria de ligar para ele mais tarde.
Sim! Mais tarde ela ligaria...