terça-feira, fevereiro 14, 2006

Lamento, sereno...

É noite. Silêncio.
Quebra-se tal fato com um único som.
Algo estourando. Debruço-me à janela do prédio e posso ver o céu.
Madrugada. Um sereno leve e nostálgico acolhe o bairro. Todos dormem.
Um carro passa lá embaixo. Não ouço o barulho. Olho pro céu. Poucas estrelas. Uma se move lentamente. O balão. Ao longe vejo o balão. Sujeito do tal barulho que me fizera levantar. Agora não é só um slêncio qualquer que cobre a noite. Barulhos menores vêm à tona. A gota na pia. O balão e seu estouro seco e pausado. A respiração do povo. O avião.
Posso sentir os olhos encherem-se de lágrimas. Que sentimento é esse que me pega desprevenido numa madrugada comum?
Pega-me contemplando o sereno que me faz lembrar algo que não tive. Pega-me a pensar num futuro incerto. Pega-me a ver e ouvir o balão.
Pega-me a contemplar a vida. Que vida?
Onde e quando vida?
Pode-se notar outras janelas de outros prédios. Poucas luzes acesas. Destacam-se algumas pelos movimentos sincronizados das sombras projetadas nas cortinas. Assistem ao mesmo canal de TV.
E o sentimento de tudo-nada não vai embora. Talvez a incapacidade de concluir qualquer coisa sábia daquele vão momento me faz verter lágrimas ao me deitar sobre o travesseiro. Chorando baixinho para que ninguém acorde.
Chorando frente ao nada. Chorando por chorar.
Por não saber o que é chorar, ou o por quê do choro.
Volto à janela. O mesmo sereno. É ele que me faz chorar. O balão se fora.
Agora ouço grilos.
E passou a vontade de chorar.
Deito na cama. E não choro mais diante do tudo, ou do nada.
Choro diante de mim.
E do sereno que invade o quarto.
Sereno invisível que faz chorar. Por que me faz chorar?
"Faço por fazer e pela falta de fazer..." suspira dentro da noite.
Vá embora sereno. Deixa-me em paz. Não sejas tu criatura que o mal faz!
"Acompanha-me! Deixa de ser tu e rompa comigo a noite que só mágoas te traz!"
Não sou sereno. Não posso ser sereno.
Sereno és tu. Vá, leve neblina. Rompa o mundo sozinho, e faça da noite o teu ninho. Deixa-me aqui a chorar o pobre lamento de não poder voar.
Adeus!