Reflexos
"E naquele estado de serena meditação e vaga insensibilidade permaneceu até que o relógio da igreja bateu três horas da manhã. Ainda pôde, através dos vidros da janela, ver a madrugada ir clareando, pouco a pouco. Depois, contra a vontade, a cabeça tombou no chão e, pelas suas narinas, filtrou-se um derradeiro e fraco suspiro."
"Motivação, Adolfo! É o que falta! Motivação!" dizia o professor de pintura.
O aluno, Adolfo, ouvia atentamente sem entender o real motivo da palavra. Chegava a suspeitar que nem memso o seu professor entendesse mas se ele dizia que faltava era porque alguma coisa ele sabia.
Todas as semanas Adolfo levava uma tela já terminada e uma tela em branco, seus pincéis, seus óculos de aro fino, suas tintas e seu cavalete. Confusão era muita que causava na condução, mesmo assim, suas manhãs de sábado eram inteiramente dedicadas àquilo que mais apreciava na vida: a pintura. Foi numa tarde que seu psicólogo disse "Tente alguma arte, Adolfo! Música, teatro, pintura... Qualquer uma! Creio que isso há de te ajudar!". Não pensou duas vezes antes de escolher. A pintura sempre foi uma paixão de infância.
Acordava cedo, arrumava suas coisas e partia rumo à escola. Ao chegar, as palavras do professor eram quase sempre as mesmas "Motivação, Adolfo! Vamos ver como fica esse próximo". As alterações do discurso eram mínimas, no entanto Adolfo olhava para a tela pronta e pensava "Motivação", olhava para o rosto sorridente do professor e para a tela em branco e pensava "Motivação".
Era seu lema. Não que achasse seus quadros ruins. Considerava-os até melhor do que muitos dos de seus companheiros de pincel. Houve dia em que até pensou alcançar o objetivo desejado pelo mestre, ao cabo que recebeu a resposta
"Bom, Adolfo! Muito bom! Mais um pouco de motivação e estaria perfeito".
Era fato. Apesar de todas as tentativas Adolfo não encontrava motivação.
Como? Ele se entregava à pintura como nenhum outro. Fazia da arte um refúgio de todos os problemas atuais e passados.
Deveria desistir? Não! Definitivamente não.
Pegou sua tela em branco e esboçou uma paisagem. Disse ao professor que terminaria a obra em casa. Pegou um ônibus e procurou idéias.
Desceu numa praça. Crianças brincavam.
Começou a pintar o local. Os brinquedos, as crianças, as mães zelosas, as árvores. Decidira que sua motivação estava ali, naqueles momentos prazerosos da vida. Não teve medo de ser condenado ao clichê e não parou de pintar.
Pensou nos amigos, na família e na vida e percebeu que os pintava também.
Ao terminar, algumas pessoas vieram admirar a obra. Diziam "Muito bonito! Você é uma artista e tanto"
E como Adolfo ficava feliz com tais elogios.
Lá estava ele no outro sábado com um largo sorriso mostrando a obra ao seu professor que ao bater os olhos na tela levou um susto "Belíssimo! Vemos que achou a tal motivação!". Adolfo já ia dizer no que pensava enquanto pintava e o quão bons foram os conselhos e a persistência do professor para seu aprimoramento "Mas..." completou o professor "... faltou um pouco de originalidade. Você sabe. Valorizar momentos fugazes está mais que ultrapassado! É "carpe diem", coisa do século passado, auto-ajuda entende?".
Adolfo parou. Carpe diem? Auto-ajuda? Essas coisas nem passaram pela sua cabeça enquanto pintava. Ele só pintou o que sentiu. E sentiu que aquilo era bonito.
Explodiu! Com alguns artefatos do ateliê assassinou o professor e os alunos que testemunharam a cena apavorados. Foi até uma favela conhecida da região e comprou uma arma não registrada, como pagou à vista ganhou um silenciador.
Quando o vendedor perguntou o porquê da aquisição recebeu um tiro que lhe rendeu algumas horas de desespero.
Roubou um carro, matou a família e foi ao cinema. No banheiro do estabelecimento fixou o espelho por instantes.
No jornal do outro dia uma pequena nota sobre o acontecimento "Constatou-se que todas as vítimas foram assassinadas pela mesma pessoa que em seguida suicidou-se. A polícia ainda investiga o caso mas o chefe de polícia considera-o como "crime comum" alegando que o perigo já foi cessado pelo próprio assassino. "Não há com o que se preocupar. Já virou moda essa negócio de matar os amigos e se suicidar" disse o chefe de polícia ontem em entrevista por telefone ao jornal "Nos EUA está cheio" completa"
O aluno, Adolfo, ouvia atentamente sem entender o real motivo da palavra. Chegava a suspeitar que nem memso o seu professor entendesse mas se ele dizia que faltava era porque alguma coisa ele sabia.
Todas as semanas Adolfo levava uma tela já terminada e uma tela em branco, seus pincéis, seus óculos de aro fino, suas tintas e seu cavalete. Confusão era muita que causava na condução, mesmo assim, suas manhãs de sábado eram inteiramente dedicadas àquilo que mais apreciava na vida: a pintura. Foi numa tarde que seu psicólogo disse "Tente alguma arte, Adolfo! Música, teatro, pintura... Qualquer uma! Creio que isso há de te ajudar!". Não pensou duas vezes antes de escolher. A pintura sempre foi uma paixão de infância.
Acordava cedo, arrumava suas coisas e partia rumo à escola. Ao chegar, as palavras do professor eram quase sempre as mesmas "Motivação, Adolfo! Vamos ver como fica esse próximo". As alterações do discurso eram mínimas, no entanto Adolfo olhava para a tela pronta e pensava "Motivação", olhava para o rosto sorridente do professor e para a tela em branco e pensava "Motivação".
Era seu lema. Não que achasse seus quadros ruins. Considerava-os até melhor do que muitos dos de seus companheiros de pincel. Houve dia em que até pensou alcançar o objetivo desejado pelo mestre, ao cabo que recebeu a resposta
"Bom, Adolfo! Muito bom! Mais um pouco de motivação e estaria perfeito".
Era fato. Apesar de todas as tentativas Adolfo não encontrava motivação.
Como? Ele se entregava à pintura como nenhum outro. Fazia da arte um refúgio de todos os problemas atuais e passados.
Deveria desistir? Não! Definitivamente não.
Pegou sua tela em branco e esboçou uma paisagem. Disse ao professor que terminaria a obra em casa. Pegou um ônibus e procurou idéias.
Desceu numa praça. Crianças brincavam.
Começou a pintar o local. Os brinquedos, as crianças, as mães zelosas, as árvores. Decidira que sua motivação estava ali, naqueles momentos prazerosos da vida. Não teve medo de ser condenado ao clichê e não parou de pintar.
Pensou nos amigos, na família e na vida e percebeu que os pintava também.
Ao terminar, algumas pessoas vieram admirar a obra. Diziam "Muito bonito! Você é uma artista e tanto"
E como Adolfo ficava feliz com tais elogios.
Lá estava ele no outro sábado com um largo sorriso mostrando a obra ao seu professor que ao bater os olhos na tela levou um susto "Belíssimo! Vemos que achou a tal motivação!". Adolfo já ia dizer no que pensava enquanto pintava e o quão bons foram os conselhos e a persistência do professor para seu aprimoramento "Mas..." completou o professor "... faltou um pouco de originalidade. Você sabe. Valorizar momentos fugazes está mais que ultrapassado! É "carpe diem", coisa do século passado, auto-ajuda entende?".
Adolfo parou. Carpe diem? Auto-ajuda? Essas coisas nem passaram pela sua cabeça enquanto pintava. Ele só pintou o que sentiu. E sentiu que aquilo era bonito.
Explodiu! Com alguns artefatos do ateliê assassinou o professor e os alunos que testemunharam a cena apavorados. Foi até uma favela conhecida da região e comprou uma arma não registrada, como pagou à vista ganhou um silenciador.
Quando o vendedor perguntou o porquê da aquisição recebeu um tiro que lhe rendeu algumas horas de desespero.
Roubou um carro, matou a família e foi ao cinema. No banheiro do estabelecimento fixou o espelho por instantes.
No jornal do outro dia uma pequena nota sobre o acontecimento "Constatou-se que todas as vítimas foram assassinadas pela mesma pessoa que em seguida suicidou-se. A polícia ainda investiga o caso mas o chefe de polícia considera-o como "crime comum" alegando que o perigo já foi cessado pelo próprio assassino. "Não há com o que se preocupar. Já virou moda essa negócio de matar os amigos e se suicidar" disse o chefe de polícia ontem em entrevista por telefone ao jornal "Nos EUA está cheio" completa"
"-Morto? - perguntou a senhora Samsa (...)
- Nem mais, nem menos - retrucou a serviçal, empurrando o cadáver de Gregor com a vassoura como para provar a veracidade do que afirmava."
"A Metamorfose" de Franz Kafka.
Ouvindo "Deus lhe pague" de Chico Buarque:
"E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague..."
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