Voyeur
Daqui da minha janela posso ver o homem do sétimo andar que mora no prédio em frente. É homem comum. Parece.
Deve ser separado da mulher. Seus filhos vêm visitá-lo quase todo domingo, pelo menos foi o que eu vi num domingo e pareciam que eram seus filhos.
As janelas dos quartos, são dois, estão sempre fechadas. A janela da sala, sem cortina, desvenda o interior vazio do apartamento do homem que parece solitário.
Não sei bem. Sei que ele se senta numa poltrona que não consigo ver e fica parado olhando para um canto que deve ser a TV. Se é assim, ele nunca assiste à TV com a luz apagada. Sempre acesa, a luminosidade entrega aos observadores o rosa salmão que tonaliza a sala e também o fato do homem ir dormir bem tarde. Às vezes, todo o prédio fica às escuras na madrugada, excetuando é claro por algumas salas com seus habitantes assistindo TV com a cortina fechada e a luz apagada e o homem do sétimo com sua luz acesa.
Das vezes que vi sair de seu apartamento, ele não parecia gordo nem magro.
Certa vez presenciei algo. Estava parado no meio da sala, abriu a porta, ficando de costas pra mim. Voltou para algum lugar sumindo de cena e deixando a porta aberta. Voltou à cena. Parou uns instantes. Saiu. A luz ainda acesa. Entreabriu a porta deixando-se ver apenas o braço que se esticava até o interruptor quedando assim a escuridão na sala.
Penso nessa vida. Imagino quando discutiu pela última vez com a esposa, tirando o sono dos filhos e gritando "Vou pro apartamento que não agüento mais essa porra!" e penso na esposa sentanda à mesa da cozinha chorando pelo marido perdido. Não chorava só pelo fato de ele ter saído pela porta pra dificilmente voltar. Duvido que fosse só por isso. Quando a gente senta e chora não pensa num fato isolado. Pensa em tudo. Trazemos lembranças do passado. Coisas que estão por vir. Mesclamos tudo isso e desatamos a chorar. Bate um aperto que não sabemos se é no peito ou na garganta. E choramos. Como quando assistimos a um filme que nos emociona. Não choramos só porque o filme é belo ou triste, choramos sim porque nos identificamos com a obra. Colocamo-nos nos lugares das personagens e além disso (e que acho mais bonito) colocamos as personagens nos nossos lugares. E assim compomos nossas próprias trilhas sonoras, nossas próprias desilusões e então caímos num resultado quase que constante: chorar.
Penso na filha mais velha do casal que também chorava em seu travesseiro ao perceber a já certa separação dos pais e também por tudo que vinha à sua mente. Penso também no filho mais novo que inocentemente saiu da cama, colocou seus chinelos de dedo e desceu à cozinha para perguntar à mãe o por quê de ela estar chorando apesar de já desconfiar que algo não ia bem entre ela e seu pai.
Pensando em todas essas vidas, em especial a vida do homem do sétimo andar, acabei caindo em depressão.
Não! Não essa depressão chamativa de cortar os pulsos e tomar remédios. Não. Foi algo que de tão grande e abrangente tornou-se leve. Como a própria vida de um ser humano que de tão enorme, tão cheia de opções, tão viva, torna-se frágil e termina ao ir de encontro com um carro desatento na rua, uma bala antes perdida, uma queda ou algum vírus fatal.
Ao olhar daqui de cima a luz acesa do sétimo andar, penso na vida e fico deprimido. Mas não me rendo à depressão. Rendo-me à vida. Mas vez em quando penso que a vida é uma eterna e incurável depressão. Por esse motivo é que choro.
E é também por isso que eu vivo.
Deve ser separado da mulher. Seus filhos vêm visitá-lo quase todo domingo, pelo menos foi o que eu vi num domingo e pareciam que eram seus filhos.
As janelas dos quartos, são dois, estão sempre fechadas. A janela da sala, sem cortina, desvenda o interior vazio do apartamento do homem que parece solitário.
Não sei bem. Sei que ele se senta numa poltrona que não consigo ver e fica parado olhando para um canto que deve ser a TV. Se é assim, ele nunca assiste à TV com a luz apagada. Sempre acesa, a luminosidade entrega aos observadores o rosa salmão que tonaliza a sala e também o fato do homem ir dormir bem tarde. Às vezes, todo o prédio fica às escuras na madrugada, excetuando é claro por algumas salas com seus habitantes assistindo TV com a cortina fechada e a luz apagada e o homem do sétimo com sua luz acesa.
Das vezes que vi sair de seu apartamento, ele não parecia gordo nem magro.
Certa vez presenciei algo. Estava parado no meio da sala, abriu a porta, ficando de costas pra mim. Voltou para algum lugar sumindo de cena e deixando a porta aberta. Voltou à cena. Parou uns instantes. Saiu. A luz ainda acesa. Entreabriu a porta deixando-se ver apenas o braço que se esticava até o interruptor quedando assim a escuridão na sala.
Penso nessa vida. Imagino quando discutiu pela última vez com a esposa, tirando o sono dos filhos e gritando "Vou pro apartamento que não agüento mais essa porra!" e penso na esposa sentanda à mesa da cozinha chorando pelo marido perdido. Não chorava só pelo fato de ele ter saído pela porta pra dificilmente voltar. Duvido que fosse só por isso. Quando a gente senta e chora não pensa num fato isolado. Pensa em tudo. Trazemos lembranças do passado. Coisas que estão por vir. Mesclamos tudo isso e desatamos a chorar. Bate um aperto que não sabemos se é no peito ou na garganta. E choramos. Como quando assistimos a um filme que nos emociona. Não choramos só porque o filme é belo ou triste, choramos sim porque nos identificamos com a obra. Colocamo-nos nos lugares das personagens e além disso (e que acho mais bonito) colocamos as personagens nos nossos lugares. E assim compomos nossas próprias trilhas sonoras, nossas próprias desilusões e então caímos num resultado quase que constante: chorar.
Penso na filha mais velha do casal que também chorava em seu travesseiro ao perceber a já certa separação dos pais e também por tudo que vinha à sua mente. Penso também no filho mais novo que inocentemente saiu da cama, colocou seus chinelos de dedo e desceu à cozinha para perguntar à mãe o por quê de ela estar chorando apesar de já desconfiar que algo não ia bem entre ela e seu pai.
Pensando em todas essas vidas, em especial a vida do homem do sétimo andar, acabei caindo em depressão.
Não! Não essa depressão chamativa de cortar os pulsos e tomar remédios. Não. Foi algo que de tão grande e abrangente tornou-se leve. Como a própria vida de um ser humano que de tão enorme, tão cheia de opções, tão viva, torna-se frágil e termina ao ir de encontro com um carro desatento na rua, uma bala antes perdida, uma queda ou algum vírus fatal.
Ao olhar daqui de cima a luz acesa do sétimo andar, penso na vida e fico deprimido. Mas não me rendo à depressão. Rendo-me à vida. Mas vez em quando penso que a vida é uma eterna e incurável depressão. Por esse motivo é que choro.
E é também por isso que eu vivo.
Ouvindo "If You Ever Should Leave" com Ella Fitzgerald:
"So whatever you do
Don't you say that were through
I'd do nothing but grieve
If you ever should leave..."
<< Página inicial