sexta-feira, março 24, 2006

O Homem do Jornal

O homem do jornal não tem face.
Olha-nos com teu olhar sem olhos.
Fala-nos com tua boca crispada,
mente com suas mãos fechadas.

O homem do jornal é papel, é imagem e é som.
Conta o seu fato com dom


O homem que lê, vê e ouve
é outro sem face
Tem olhos
[mas não vê]
Boca
[mas não grita]
Braços
[mas não luta]

O homem do jornal é nuvem
Das suas gotas gera alívio
inconformidade
e até medo


O homem que lê, vê e ouve
alivia-se
inconforma-se
sente medo


Os homens não vêem mais estrelas


Quisera os homens fossem imortais


Hoje os homens

são meros jornais

terça-feira, março 14, 2006

Fechado!

Fechado
temporariamente
para
balanço
emocional
e
intelectual...


Sr. Spock, personagem da série clássica Jornada nas Estrelas é um Vulcano, raça que não tem emoções. Fato interessante é que a mãe de Spock era humana, fazendo do filho um ser meio-humano-meio-vulcano, logo, mesmo refém da racionalismo que impera em sua consciência ele às vezes se rende às tão interessantes e incompreendidas emoções humanas.
Quando eu era mais novo e assistia ao seriado (hoje não assisto por falta de tempo e de TV, é, eu não tenho uma TV, ainda bem) eu queria ser que nem o Spock!
Agora clique na imagem...


Até um dia...

quinta-feira, março 02, 2006

La vie en rose...

Clique aqui e ouça enquanto lê o texto...

Acabávamos de sair duma sessão de cinema e uma leve garoa nos envolvia naquela noite comum. Comeríamos algo em qualquer restaurante da cidade.
Andaríamos um pouco, comeríamos, beberíamos e depois, juntos, iríamos para o apartamento de um dos dois. Ouviríamos música, tomaríamos mais alguns goles de vinho e dormiríamos juntos entregues ao prazer duma noite que, lá fora, caía fria mas que estaría alheia ao nosso tênue calor que se dividia mutuamente.
Tornar-se-ia uma noite normal não fosse a galeria.
Abraçados, seguimos até a faixa de pedestres mais próxima. Ríamos do nosso jeito desajeitado de andar na garoa que já fora mais intensa mas que agora caía fina visível somente às luzes dos carros que passavam e aos poucos postes fixados nas ruas que emitiam alguma luminosidade.
Concluímos que o melhor a fazer seria ir até um restaurante alí próximo por conta da garoa que começava a nos encharcar suavemente. Os carros passavam de um lado, do outro e todo aquele barulho de cidade grande. Sirenes, pessoas, carros. Esperando o sinal para atravessar li uma placa ao meu lado que estava logo acima duma escada que seguia para algum subsolo "Utilize a passagem subterrânea". Nem mesmo li e fui puxado para a escada.
Melhor do que ficar esperando na chuva. Passaríamos por baixo.
O barulho dos carros desapareceu e fomos enlaçados por um som diferente. Uma música.
Um jazz. Louis Armstrong talvez.
E aquele som envolvia toda aquela galeria subterrânea e estranhamente bem iluminada.
O som vinha dum pequeno rádio de pilhas que apesar de seu tamanho ecoava toda sua sonoridade abafando qualquer som externo ao interior do local. Não estávamos sozinhos. Um senhor lia um jornal num canto, perto das escadas que levavam à outra saída. Uma jovem ruiva mexia em alguns livros. No meio havia uma espécie de Sebo. Vários livros colocados de forma que pudessem ser folheados. Passei por eles e pude perceber que não havia qualquer ordem no posicionamento dos mesmos. Nem por título nem por autor. Dostoievski, Marx, Drummond, Gabriel García Marquez...
Nenhuma ordem. Como se fosse necessário examinar todos os títulos para achar o que se procurava, correndo o risco de perder horas e no fim não achar nada.
O jazz continuava.
Folheei alguns livros. Procurei alguns títulos mas desisti devida enorme e aparente desordem. A jovem ruiva parou ao meu lado
"Incrível... Não achamos um mas encontramos dez outros" e continuou sua pesquisa.
Sorri com simpatia mesmo sem entender realmente o que ela queria dizer com aquelas palavras. O senhor que lia o jornal veio em minha direção
"Procura algo em especial?"
Percebendo que o homem deveria ser responsável pelos livros respondi em tom malicioso "Se conseguisse achar..."
Dirigiu-me um olhar sereno, tirou os óculos e perguntou
"Gosta de jazz?"
"Aprecio" respondi escondendo meu parco conhecimento.
"Note que não há uma ordem nos acordes" disse olhando para um lugar que não estava alí "Algo como o acaso! Inesperado..."
"Improvisado" completei.
"Exato!" concordou com um sorriso já colocando seus óculos e voltando à sua posição inicial lendo o jornal "Exato..." ainda murmurou..
Vendo que já passávamos da hora resolvemos ir. A música, que já era outra mas ainda mantinha o ambiente naquele mesmo estado catártico das coisas foi obstruída pelo barulho das buzinas e motores que corriam pela cidade fria que, ao surbirmos as escadas, notamos que já não era mais envolta à tal garoa.
Andamos mais alguns quarteirões conversando sobre a galeria.
Paramos em frente a uma loja de discos que na vitrine mostrava uma antiga coleção de albuns de Jazz.
Parado. Olhando as figuras que estapavam as capas dos discos, comecei a lembrar dos acordes da música que ouvira cantarolando em minha mente.
Tudo imprevisto. Improvisado.
Notas jogadas ao acaso. Livros ao acaso.
"Não achamos um mas encontramos dez outros" lembrei.
Saímos andando abraçados e disse
"Por que não jantar num outro lugar?"
"Qual lugar?" perguntou.
"Deixe que o acaso nos diga..."
E descemos a rua de paralelepípedos ao som do Jazz que fugia da galeria para ecoar na minha mente que se distraía com o céu que se abria dando luz às estrelas que volte e meia agraciavam-nos com suas inesperadas cadências.