quarta-feira, maio 31, 2006

Voyeur

Daqui da minha janela posso ver o homem do sétimo andar que mora no prédio em frente. É homem comum. Parece.
Deve ser separado da mulher. Seus filhos vêm visitá-lo quase todo domingo, pelo menos foi o que eu vi num domingo e pareciam que eram seus filhos.
As janelas dos quartos, são dois, estão sempre fechadas. A janela da sala, sem cortina, desvenda o interior vazio do apartamento do homem que parece solitário.
Não sei bem. Sei que ele se senta numa poltrona que não consigo ver e fica parado olhando para um canto que deve ser a TV. Se é assim, ele nunca assiste à TV com a luz apagada. Sempre acesa, a luminosidade entrega aos observadores o rosa salmão que tonaliza a sala e também o fato do homem ir dormir bem tarde. Às vezes, todo o prédio fica às escuras na madrugada, excetuando é claro por algumas salas com seus habitantes assistindo TV com a cortina fechada e a luz apagada e o homem do sétimo com sua luz acesa.
Das vezes que vi sair de seu apartamento, ele não parecia gordo nem magro.
Certa vez presenciei algo. Estava parado no meio da sala, abriu a porta, ficando de costas pra mim. Voltou para algum lugar sumindo de cena e deixando a porta aberta. Voltou à cena. Parou uns instantes. Saiu. A luz ainda acesa. Entreabriu a porta deixando-se ver apenas o braço que se esticava até o interruptor quedando assim a escuridão na sala.
Penso nessa vida. Imagino quando discutiu pela última vez com a esposa, tirando o sono dos filhos e gritando "Vou pro apartamento que não agüento mais essa porra!" e penso na esposa sentanda à mesa da cozinha chorando pelo marido perdido. Não chorava só pelo fato de ele ter saído pela porta pra dificilmente voltar. Duvido que fosse só por isso. Quando a gente senta e chora não pensa num fato isolado. Pensa em tudo. Trazemos lembranças do passado. Coisas que estão por vir. Mesclamos tudo isso e desatamos a chorar. Bate um aperto que não sabemos se é no peito ou na garganta. E choramos. Como quando assistimos a um filme que nos emociona. Não choramos só porque o filme é belo ou triste, choramos sim porque nos identificamos com a obra. Colocamo-nos nos lugares das personagens e além disso (e que acho mais bonito) colocamos as personagens nos nossos lugares. E assim compomos nossas próprias trilhas sonoras, nossas próprias desilusões e então caímos num resultado quase que constante: chorar.
Penso na filha mais velha do casal que também chorava em seu travesseiro ao perceber a já certa separação dos pais e também por tudo que vinha à sua mente. Penso também no filho mais novo que inocentemente saiu da cama, colocou seus chinelos de dedo e desceu à cozinha para perguntar à mãe o por quê de ela estar chorando apesar de já desconfiar que algo não ia bem entre ela e seu pai.
Pensando em todas essas vidas, em especial a vida do homem do sétimo andar, acabei caindo em depressão.
Não! Não essa depressão chamativa de cortar os pulsos e tomar remédios. Não. Foi algo que de tão grande e abrangente tornou-se leve. Como a própria vida de um ser humano que de tão enorme, tão cheia de opções, tão viva, torna-se frágil e termina ao ir de encontro com um carro desatento na rua, uma bala antes perdida, uma queda ou algum vírus fatal.
Ao olhar daqui de cima a luz acesa do sétimo andar, penso na vida e fico deprimido. Mas não me rendo à depressão. Rendo-me à vida. Mas vez em quando penso que a vida é uma eterna e incurável depressão. Por esse motivo é que choro.
E é também por isso que eu vivo.


Ouvindo "If You Ever Should Leave" com Ella Fitzgerald:

"So whatever you do
Don't you say that were through
I'd do nothing but grieve
If you ever should leave..."

sábado, maio 20, 2006

Reflexos

"E naquele estado de serena meditação e vaga insensibilidade permaneceu até que o relógio da igreja bateu três horas da manhã. Ainda pôde, através dos vidros da janela, ver a madrugada ir clareando, pouco a pouco. Depois, contra a vontade, a cabeça tombou no chão e, pelas suas narinas, filtrou-se um derradeiro e fraco suspiro."

"Motivação, Adolfo! É o que falta! Motivação!" dizia o professor de pintura.
O aluno, Adolfo, ouvia atentamente sem entender o real motivo da palavra. Chegava a suspeitar que nem memso o seu professor entendesse mas se ele dizia que faltava era porque alguma coisa ele sabia.
Todas as semanas Adolfo levava uma tela já terminada e uma tela em branco, seus pincéis, seus óculos de aro fino, suas tintas e seu cavalete. Confusão era muita que causava na condução, mesmo assim, suas manhãs de sábado eram inteiramente dedicadas àquilo que mais apreciava na vida: a pintura. Foi numa tarde que seu psicólogo disse "Tente alguma arte, Adolfo! Música, teatro, pintura... Qualquer uma! Creio que isso há de te ajudar!". Não pensou duas vezes antes de escolher. A pintura sempre foi uma paixão de infância.
Acordava cedo, arrumava suas coisas e partia rumo à escola. Ao chegar, as palavras do professor eram quase sempre as mesmas "Motivação, Adolfo! Vamos ver como fica esse próximo". As alterações do discurso eram mínimas, no entanto Adolfo olhava para a tela pronta e pensava "Motivação", olhava para o rosto sorridente do professor e para a tela em branco e pensava "Motivação".
Era seu lema. Não que achasse seus quadros ruins. Considerava-os até melhor do que muitos dos de seus companheiros de pincel. Houve dia em que até pensou alcançar o objetivo desejado pelo mestre, ao cabo que recebeu a resposta
"Bom, Adolfo! Muito bom! Mais um pouco de motivação e estaria perfeito".
Era fato. Apesar de todas as tentativas Adolfo não encontrava motivação.
Como? Ele se entregava à pintura como nenhum outro. Fazia da arte um refúgio de todos os problemas atuais e passados.
Deveria desistir? Não! Definitivamente não.
Pegou sua tela em branco e esboçou uma paisagem. Disse ao professor que terminaria a obra em casa. Pegou um ônibus e procurou idéias.
Desceu numa praça. Crianças brincavam.
Começou a pintar o local. Os brinquedos, as crianças, as mães zelosas, as árvores. Decidira que sua motivação estava ali, naqueles momentos prazerosos da vida. Não teve medo de ser condenado ao clichê e não parou de pintar.
Pensou nos amigos, na família e na vida e percebeu que os pintava também.
Ao terminar, algumas pessoas vieram admirar a obra. Diziam "Muito bonito! Você é uma artista e tanto"
E como Adolfo ficava feliz com tais elogios.
Lá estava ele no outro sábado com um largo sorriso mostrando a obra ao seu professor que ao bater os olhos na tela levou um susto "Belíssimo! Vemos que achou a tal motivação!". Adolfo já ia dizer no que pensava enquanto pintava e o quão bons foram os conselhos e a persistência do professor para seu aprimoramento "Mas..." completou o professor "... faltou um pouco de originalidade. Você sabe. Valorizar momentos fugazes está mais que ultrapassado! É "carpe diem", coisa do século passado, auto-ajuda entende?".
Adolfo parou. Carpe diem? Auto-ajuda? Essas coisas nem passaram pela sua cabeça enquanto pintava. Ele só pintou o que sentiu. E sentiu que aquilo era bonito.
Explodiu! Com alguns artefatos do ateliê assassinou o professor e os alunos que testemunharam a cena apavorados. Foi até uma favela conhecida da região e comprou uma arma não registrada, como pagou à vista ganhou um silenciador.
Quando o vendedor perguntou o porquê da aquisição recebeu um tiro que lhe rendeu algumas horas de desespero.
Roubou um carro, matou a família e foi ao cinema. No banheiro do estabelecimento fixou o espelho por instantes.
No jornal do outro dia uma pequena nota sobre o acontecimento "Constatou-se que todas as vítimas foram assassinadas pela mesma pessoa que em seguida suicidou-se. A polícia ainda investiga o caso mas o chefe de polícia considera-o como "crime comum" alegando que o perigo já foi cessado pelo próprio assassino. "Não há com o que se preocupar. Já virou moda essa negócio de matar os amigos e se suicidar" disse o chefe de polícia ontem em entrevista por telefone ao jornal "Nos EUA está cheio" completa"


"-Morto? - perguntou a senhora Samsa (...)
- Nem mais, nem menos - retrucou a serviçal, empurrando o cadáver de Gregor com a vassoura como para provar a veracidade do que afirmava."
"A Metamorfose" de Franz Kafka.


Ouvindo "Deus lhe pague" de Chico Buarque:

"E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague..."

sexta-feira, maio 12, 2006

Atenção!

Preciso atualizar esse blog...
Notícia rápidas

Estou sofrendo:
Uma overdose de Truffaut na Cenemateca... Coisa boa...

Estou vivendo:
Uma vida de desempregado... Coisa ruim...

Ando tendo:
Alucinações e confusões... Não sei se o que sonhei é lembrança real ou foi só sonho mesmo... Coisa estranha...

Não estou preparado:
Para viver um grande amor...
Para envelhecer...
Para economizar dinheiro... (que dinheiro???)

Preciso:
De um emprego... Seja qual for... Menos esse que você acabou de pensar e já ia comentar dizendo "Eu sei de um que dá dinheiro fácil..."

Estou:
Entregando currículos em tudo que é lugar relacionado à História (Museus, Casas de Cultura, Departamento de Patrimônio Histórico)

Pretendo:
Fazer uma oficina de "Criação de Roteiro Cinematográfico" mas para isso preciso fazer uma entrevista e escrever um redação sobre "Minha Relação com o Cinema"
Obs: Fiquei sabendo disso agora e dia 12 é o último dia de inscrição...

Ainda tenho medo:
De não conseguir um emprego até o final do ano...

Preciso parar:
Não! Preciso parar ainda não...

Máxima da semana:

"Tem gente que acha que sua vida é tão interessante que coloca toda ela em um blog na internet..."
Professora Ana Maria de Metodologia da História...

Professores acadêmicos estão sempre com a razão...

Até mais ver...